A frase na imagem é de uma personagem de programa humorístico televisivo, que se apresentava como “gênia da lâmpada”, e não tinha muita habilidade para interpretar os desejos dos seus amos, o que eventualmente acarretava alguns probleminhas com a satisfação do cliente, digamos assim.

Quando tratamos de processos produtivos, e recorro novamente aos 6M de Ishikawa, o material de partida é um ponto crítico, e qualquer variação na sua forma, composição ou outra característica vai levar a um produto final diferente do esperado.

Uma não-conformidade dificilmente pode ser atribuída a uma causa única, sendo mais comum que uma cadeia de variações seja responsável pelo desfecho insatisfatório. Quando restringimos as variáveis do processo é possível atingir um padrão definido por duas palavras que eu, particularmente, aprecio muito: CONFORMIDADE e REPRODUTIBILIDADE.

A primeira diz respeito ao método, a segunda ao resultado, e ambas fazem muita diferença quando o tema é produto individualizado.

Vamos a algumas considerações a respeito.

Para qualquer tipo de produção, a primeira questão a ser respondida é: definimos o método e temos todos os materiais, máquinas, mão de obra, condições ambientais e padrões para executar a produção? A falta de respostas, ou meias respostas, pode custar muito caro.

1909…. Início da construção do RMS Titanic, em Belfast, nos estaleiros Harland and Wolff. Foi lançado ao mar em 31 de Maio de 1911, saindo em viagem inaugural em 10 de Abril de 1912, na rota Southhampton – Nova Iorque, passando por Cherbourg-Octeville (FRA) e Queenstown (IRL).

Seu projeto previa manter a navegabilidade mesmo se 4 de seus 16 compartimentos  estanques fossem inundados. Seriam necessários 3 milhões de rebites de aço carbono para assegurar a estrutura de cada um dos navio em construção no estaleiro (3 na época), com data de entrega de marcada.

A demanda foi superior à capacidade da siderúrgica fornecedora do estaleiro (trabalho MANUAL), o que levou à subcontratação de empresas sem processos e materiais igualmente qualificados – produzidos com ferro forjado com traços de escória acima do permitido (baixa resistência). Estes seriam usados em áreas de menor comprometimento ou risco de colapso, na proa e popa – RISCO CONHECIDO!

Às 23:30h de 14 de Abril, ao fim do quarto dia de viagem, um iceberg no meio do caminho… Na proa. Colisão, um rasgo nas chapas, seis compartimentos inundados e naufrágio.

Na partida levava 885 tripulantes e 1316 passageiros, 2201 pessoas no total. 1514 pessoas, contagem mais aceita, não chegaram à América.

Certamente essa foi uma das causas contribuintes do acidente, não a única, mas a falta de CONFORMIDADE e REPRODUTIBILIDADE na produção dos rebites deu chance a uma cadeia de eventos que culminou no naufrágio.

A essa hora você pode estar pensando sobre o quanto é relevante para a farmácia com manipulação estabelecer a correta especificação de TODOS os seus insumos. Reforço, TODOS.

Vou acrescentar um relato pessoal, numa área onde ainda temos muitas fragilidades, os fitoterápicos. Temos regramentos que estabelecem que as especificações para insumos deverão conter as informações necessárias para manter as características e possibilitar a correta identificação de cada matéria-prima comprada pela farmácia. Para os fitoterápicos, entre outros itens, a denominação botânica é IMPRESCINDÍVEL – se não, vejamos:

Para Erva-de-São-João, por exemplo, temos duas espécies que recebem a mesma denominação popular, sendo, porém, totalmente distintas em suas características botânicas e usos terapêuticos, fato que descobri após uma compra onde não constava no pedido o nome botânico da espécie. Sim, senhores, acontece nas melhores famílias e farmácias.

A erva que eu desejava comprar era o Hypericum perforatum, espécie exótica, com propriedades ansiolíticas e eventualmente manifestações de hepatotoxicidade e fotossensibilidade, sendo seu uso restrito à prescrição médica.

O que recebi foi a Erva-de-São-João nacional, o Ageratum conizoides, que tem outros nomes menos santos como catinga-de-bode e picão-roxo, com propriedades tônicas, carminativas e anti-inflamatórias, entre outras. Em resumo, nada haver com nada, mas exatamente o que foi pedido – “não adianta ficar arrependido”, lembra?

E se, hipoteticamente, além da ausência de especificação de compra, a conferência das informações do laudo tivesse falhado?  O prejuízo terapêutico seria completo.

Então, seja para grandes navios transatlânticos, ou medicamentos, ou outros produtos para a saúde individualizados, tenha em mente que CONFORMIDADE e REPRODUTIBILIDADE são mais que a alma do negócio – são o negócio em si.

Gelza Rúbia Rigue de Araujo

Farmacêutica Consultora

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