Como a gestão de informações pode evitar desvios no processo magistral

O processo de comunicação está diretamente ligado à eficiência, não importa a atividade que seja desenvolvida, o que torna este ponto um dos mais importantes quando falamos de trabalho em equipe.

Para uma comunicação eficiente precisamos garantir que o conteúdo comunicado pelo emissor seja integralmente absorvido pelo receptor – os dois pólos da comunicação. Há uma frase circulando pela internet que diz o seguinte: “Sou responsável pelo que eu falo, não pelo que você ouve”. Será mesmo?

Trazendo um exemplo onde a falha de comunicação foi trágica, vamos relembrar um acidente onde esse quesito foi determinante. 

Quando o vôo Avianca 052/Boeing 707-321B saiu de Bogotá com destino a Nova Iorque em 25 de janeiro de 1990, estava prevista uma escala de abastecimento, que foi cumprida em Medelin sem intercorrências.

O piloto em comando, co-piloto e engenheiro de vôo eram colombianos. A comunicação com as torres no percurso foi feita somente pelo co-piloto, que transmitia para o piloto as informações recebidas em inglês e traduzidas para o espanhol, idioma nativo da equipe na cabine de vôo. Entre outras situações de treinamento, horas de vôo e experiência em vôo por instrumentos, a comunicação (ou falta dela) com a torre no aeroporto de destino foi o elo final dos eventos que levaram ao acidente no pouso.

As condições climáticas desfavoráveis no trajeto e aproximação elevaram o consumo de combustível no trajeto, mas a reserva atenderia essa necessidade sem problemas. Como a torre orientou que o vôo entrasse em espera, o monitoramento de combustível era crucial para garantir um pouso seguro. No total, houve uma espera de 1h 17min até a última posição orientada pela torre, mas somente após mais 26 min chegou a autorização para pouso, e nesse momento o co-piloto informou que tinha apenas mais 5 min de combustível, e que não poderiam seguir para o aeroporto alternativo em Boston. Em nenhum momento foi solicitada prioridade de pouso ou emergência por falta de combustível. 

Às 21h34min, com os motores apagados e sob fortes ventos, o avião colidiu em uma colina na região de Long Island, deixando 73 vítimas fatais e 85 resgatados com vida. Nenhum aviso de impacto foi dado pela tripulação de cabine para a equipe de comissários ou passageiros.

A análise das caixas pretas revelou que o co-piloto não transmitia corretamente as informações sobre as condições do vôo para a torre, e também as solicitações do piloto para a torre não foram repassadas. Ficou evidente que o co-piloto não tinha fluência suficiente para a comunicação em inglês e não utilizava as frases padrão para comunicação da torre. Da mesma forma o piloto não tinha conhecimento suficiente para monitorar a conversa do co-piloto com a torre, e entre a equipe na cabine não houve uma comunicação suficiente para tomada de decisão que pudesse evitar o desastre. Como diria o comunicador brasileiro Abelardo Barbosa, o Chacrinha, “quem não se comunica, se trumbica.”

Quando pensamos na comunicação no ambiente de farmácia de manipulação, onde informações sobre pessoas, produtos e processos devem estar rigorosamente registradas para garantir a rastreabilidade exigida, é necessário que nenhuma interpretação pessoal ou falta de compreensão cause interferência.

Os pilares das Boas Práticas de Manipulação, que garantem o resultado do processo magistral envolvem:

  • Informações claras
  • Padronização de procedimentos
  • Treinamento adequado
  • Registros eficientes
  • Indicadores de qualidade
  • Indicadores de produtividade 

Não por acaso o tópico INFORMAÇÕES CLARAS encabeça a lista, já que sem esse nenhum dos outros será satisfatoriamente alcançado.

Para um bom desempenho na comunicação alguns cuidados devem ser observados, e entre eles destaco dois: adequação do conteúdo comunicado de acordo com o ouvinte e verificação da compreensão da mensagem comunicada.

Vamos a um exemplo bem prático, o registro de temperatura em refrigerador. O que precisamos transmitir de informação para que o colaborador responsável realize corretamente o registro? O treinamento deve informar a necessidade do registro; as características do aparelho (uso e manutenção), local e forma de instalação; a periodicidade e forma de preenchimento da planilha de registro; os limites toleráveis e as medidas adotadas em caso de leitura fora dos limites. TODAS essas informações devem ser claramente transmitidas e também compreendidas, ou podemos ter o seguinte cenário (caso real):

  • Refrigerador do setor de semi-sólidos com termômetro digital posicionado na grade do refrigerador.
  • Porta do congelador ausente, com acúmulo excessivo de gelo no compartimento.
  • Registros diários entre 40 e 46º persistentes no mês da verificação (cerca de duas semanas, sem valores fora da faixa).
  • Planilha sem informação de faixa tolerável para o registro de temperatura.

Vamos à análise da situação: Fica evidente que o colaborador não recebeu/absorveu as informações necessárias para a execução da tarefa. Não havia cuidado com o refrigerador (manutenção e limpeza), nem conhecimento do termômetro em uso (existência de duas escalas, Celsius e Fahrenheit).  As informações registradas eram valores expressos em graus Fahrenheit, sem sequer despertar qualquer desconfiança temperaturas acima de 40º em uma geladeira.

Pensando em um evento isolado, solicitei registros de dois meses anteriores – e infelizmente o quadro era O MESMO, ou seja, a informação não foi avaliada pelo farmacêutico responsável pelo sistema de garantia de qualidade. 

A gestão de informações e a comunicação eficiente são indispensáveis para mantermos o sistema de boas práticas ativo e seguro, reduzindo a possibilidade de desvios nos processos.

Desenvolver habilidades de comunicação que garantam a compreensão das informações transmitidas para a equipe é fundamental para que o farmacêutico consiga os melhores resultados e também delegar tarefas de forma segura, sob sua supervisão.

Como anda a comunicação na tua equipe?

(ps.: O Pato fica manco, considerando que “pata” sem a inicial maiúscula seria o pé do bichinho e não sua parceira)

Gelza Rubia

Farmacêutica Consultora

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